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Aquáriusul

Sou daqui deste povo que cheira a mar e sabe a fado

Aquáriusul

Sou daqui deste povo que cheira a mar e sabe a fado

Sex | 20.03.09

A lenda da padeira de Aljubarrota!

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O campo vai deixando ao vencedor,

Contente de lhe não deixar a vida;

Seguem-no os que ficaram, e o temor

Lhe dá, não pés, mas asas à fugida;

Encobrem no profundo peito a dor

Da morte, da fazenda despendida,

Da mágoa, da desonra e triste nojo

De ver outrem triunfar de seu despojo.

Lusíadas           Canto IV – 43

 
Corria o ano de 1385, el-rei D. Fernando, o Formoso, tinha falecido dois anos antes sem deixar filho varão, sua filha, a infanta Beatriz, casada com D. Juan I de Castela reclamava para si o trono de Portugal, mas o povo não acalentava esta pretensão e aclamou como seu rei, D. João, Mestre de Avis, filho ilegítimo de D. Pedro I, o Justiceiro, rei de Portugal, dando inicio á dinastia de Avis e inaugurando uma era de glória para a história Lusa. Esta situação levou a que Portugal fosse invadido pelas hostes castelhanas em defesa e honra de D. Beatriz, atitude que escondia o anseio de Castela de tomar para si o reino de Portugal.
 
Estava calma a noite, iluminada por uma lua que de envergonhada mal abraçava os campos de Aljubarrota. Pressagiava o que estava por vir. Os barulhos nocturnos tinham emudecido e o silêncio era cortado pelo crepitar das fogueiras que no arraial castelhano cortavam os ares e iluminavam rostos ásperos ávidos de conquista. Já tinha sido repelido, D. Juan de Castela, do cerco que pusera a Lisboa, não só pela tenacidade dos defensores e pelas muralhas mouras, como também pela peste, qual castigo do céu, que o obrigou a retirar. Semblante crispado, D. Juan, voltou-se na sela e disse: Eu volto!
 
O Condestável de Portugal tinha escolhido o campo em que defrontaria o soberano de Castela e o seu exército, que de numeroso, (*) tirava a cor dos rostos de quem o via, porque ao coração acode o sangue amigo! Que em perigos grandes, o temor é maior muitas vezes que o perigo. D. Nuno Álvares, açoute de soberbos castelhanos, mirava na noite a imensidão do arraial inimigo e uma prece fervorosa nasceu do espírito indómito do guerreiro procurando no Alto o apoio do Altíssimo para a defensa da própria terra, contra a esperança de ganhá-la de outros! Era válida a sua empresa e soberba a dos castelhanos, que da terra alheia se queriam apoderar. Castela não desistia de unificar a Ibéria, por processos diplomáticos e guerreiros, tinha-se assenhoreado de outros reinos, fortalecendo o seu poder hegemónico e político.
 
Clareava a manhã e a lua mansamente retirava-se do céu estrelado para as bandas do oriente. A azáfama e o berreiro dos castelhanos contrastavam com o silêncio determinado dos portugueses, que calmamente aguardavam o avanço dos invasores.
 
 (*) Deu sinal a trombeta castelhana,
Horrendo, fero, ingente e temeroso;
Ouviu o monte Artabro, e Guadiana
Atrás tornou as ondas, de medroso;
Ouviu-o o Douro e a terra transtagana;
Correu ao mar o Tejo duvidoso;
E as mães que o som terribil escutaram,
Aos peitos os filhinhos apertaram.
 
A primeira ala da cavalaria castelhana começou a mover-se, num estrondo ensurdecedor e temeroso, indo chocar e estilhaçar-se nas lanças em riste da ala dos namorados do pequeno contingente português; nova leva de cavalaria vem atrás, cegos de confiança não se apercebem do desastre á sua frente. Ante o desaire, D. Juan de Castela, ordena o avanço da infantaria para apoio dos desalentados cavaleiros; das alas e pela retaguarda aparece o grosso do exército Luso, qual matilha que em movimento estudado e sincronizado cercam e abatem a vitima. Desorientados os castelhanos lutam pela vida que o ideal de conquista morreu na primeira ala.
A terra bebe o sangue que não é de seus filhos e seca.
D. Juan de Castela retira com o seu séquito e olha para trás para ver o seu exército a fugir pelos campos de Aljubarrota em defesa da vida e diz: Não voltarei!
 
Em fuga desenfreada, sete soldados castelhanos escondem-se num grande forno, esperando pelo anoitecer para se juntarem ao seu exército; azar o seu, era o forno pertença da padeira da vila de Aljubarrota, Brites de Almeida de seu nome, mulher dura e de feições ásperas, que enfrentava sem medo qualquer homem. Desditosa sorte a destes soldados que transidos de medo se aconchegavam, pensando estar seguros. Engano o seu. A padeira que os tinha visto, pegou na sua longa e forte pá de madeira e desancou-os, gritando:
- Esta terra pertence aos portugueses e por ela pelejam e este forno a mim pertence!
Depois de umas pazadas nos ossos castelhanos, trancou a forte porta de ferro, prendendo os desditosos, que gemendo choravam a sorte sua. Foram ajudados por soldados portugueses que os retiraram das mãos da enfurecida padeira.
Ficou célebre entre as suas gentes a padeira que com uma pá de madeira tinha desancado sete soldados inimigos, que antes, o terror tinham espalhado.
Lenda que perdura nas tradições e lendas de Portugal!
 
Fontes de informação e consulta:
(*) Os Lusíadas, canto IV, estrofe 24 a 45, Luís de Camões.
 
 
Qua | 04.03.09

A lenda das amendoeiras em flor

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Depois que foi por rei alevantado,

Havendo poucos anos que reinava,

A cidade de Silves tem cercado,

Cujos campos o bárbaro lavrava.

Foi das valentes gentes ajudado

Da germânica armada que passava,

De armas fortes e gente apercebida,

A recobrar Judeia, já perdida. 

Lusíadas         Canto III – 86

 
Dos reinos árabes do sul da Ibéria, o mais ocidental, o Al-Gharb, tinha a sua capital em Xelbe, opulenta cidade, próspera e fortemente fortificada nas margens do rio Arade, porto seguro para o comércio que a partir da foz subia o rio, vindo do norte de África.
A imponência das muralhas, de pedra vermelha, tiravam o ímpeto de conquista a quem as contemplasse, tal o seu aspecto magnífico, altos muros serrilhados de grossas ameias, cortados por torres de vigia e barbacãs envolventes, escondiam a beleza de jardins frondosos e fontes de água corrente que emprestavam frescura ao calor do sol escaldante do meio-dia. Centro de cultura e arte, mãe de poetas e escritores, as suas ruas e a beleza das suas casas atraia muitos homens de negócios para o prazer e alegria; viviam felizes os habitantes da esplendorosa e forte Xelbe, o Islão era rei e senhor desta região.
 
Reinava Ibn-Almundin, jovem e guerreiro, amante das artes e da beleza. Amiúde saia com os seus guerreiros para manter afastadas as ameaças de vizinhos e invasores. Numa dessas surtidas fez prisioneiro um barco do norte da Europa com os seus ocupantes, homens fortes e de aspecto titânico, loiros e de tez branca. Uma princesa acompanhava-os, de nome Gilda. Longas tranças da cor do sol caiam sobre os seus ombros, o azul dos seus olhos rivalizava com a cor do céu do Al-Gharb, limpo de nuvens e luminoso. Impressionado com tamanha beleza ficou o jovem príncipe que de amores se tomou.
No castelo, mandou apartar dos prisioneiros a bela cativa e pô-la no Paço ao seu serviço. O tempo se encarregou de os unir em casamento. Feliz andava o príncipe com a sua amada e, mais uma vez o tempo se encarregou de toldar os olhos, outrora tão luzentes, em saudoso olhar na vastidão do horizonte. Angústia dominava o espírito do jovem que de tal saudade nada sabia. Pediu auxílio a um dos compatriotas da bela esposa, que lhe disse estar esta saudosa dos campos brancos de neve do seu País.
 
Trazer a neve para tal paraíso era impossível, dominava o sol e as temperaturas eram amenas; um pensamento repentino fez-lhe brilhar o rosto, cujo sofrimento deixara marcas, plantar amendoeiras pelos campos em volta do castelo até onde a vista abrangesse. Floriam estas na primavera e os campos ficavam manchados de branco. Ao resplandecer de um dia primaveril o jovem príncipe conduziu a sua amada para a varanda do palácio e até onde a vista alcançava os campos estavam plenos de branco. Luz e felicidade irradiou do belo rosto e a chegada da primavera era de regozijo pelo despontar das amendoeiras em flor, branqueando os campos de Xelbe, debaixo do céu azul, iluminado pelo sol.
Romântica lenda que perdura nas tradições e lendas de Portugal!
 
Alma Lusa
 
Xelbe, a pérola de Chencir, é o nome árabe da cidade que hoje é conhecida como Silves. Foi, ao tempo do Algarve islâmico, a principal cidade do Al-Gharb, bela e culta. Foi conquistada em definitivo pelos cristãos em 1189 por D. Sancho I, rei de Portugal.
Al-Gharb, significa em árabe, o ocidente, derivou para Algarve em português. O Algarve foi conquistado em definitivo para o reino de Portugal por D. Afonso III em 1249, com a tomada de Faro, actual capital da província. Foi sempre reconhecido como reino independente, mas sem autonomia; os reis de Portugal intitulavam-se de Rei de Portugal e dos Algarves.