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Aquáriusul

Sou daqui deste povo que cheira a mar e sabe a fado

Aquáriusul

Sou daqui deste povo que cheira a mar e sabe a fado

Qua | 06.01.10

Lenda de Egas Monis

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E com seus filhos e mulher se parte

A alevantar co’eles a fiança,         

Descalços e despidos, de tal arte

Que mais move a piedade que a vingança.

- «Se pretendes, Rei alto, de vingar-te

De minha temerária confiança

(Dizia), eis aqui venho oferecido

A te pagar co’a vida o prometido.

Lusíadas         Canto III – 38

 
Amanhecia sob o céu cinzento de Guimarães. O exército leonês tomava posições em redor do fortificado castelo, pressagiando um cerco longo. Na sua tenda, D. Afonso VII, rei de Leão e Castela, soberano do condado Portucalense, que agora cercava, olhava o colosso à sua frente e o movimento dos soldados nos adarves das muralhas, que pela sua largura mostrava a fortaleza das mesmas, a tomarem medidas defensivas, as fortes torres de ameias pontiagudas não davam mostras de serem derrubadas com facilidade, não se avizinhava uma empresa fácil.
 
Eram estes guerreiros comandados por um indomável infante, Afonso Henriques de seu nome, filho de D. Henrique de Borgonha, conde de Portucale e de D. Teresa, filha de D. Afonso VI, rei de Leão, devidamente educado por Egas Moniz na arte da guerra e da honra, treinado por homens duros, semeado no seu jovem espírito o chamado da terra que a tudo obriga e tudo pede, liberdade!
 
Este condado era uma fonte de preocupação para D. Afonso VII, que aspirava ser imperador de toda a Ibéria e que tivera a recusa de D. Afonso Henriques em prestar-lhe vassalagem, coisa que outros reis peninsulares não o fizeram, motivo pelo qual, se encontrava a cercar o forte castelo de Guimarães e seus guerreiros, homens destemidos e duros como o granito das pedras do castelo, habituados às lides da guerra, que campeavam pelas terras da antiga Lusitânia a dar peleja à mourama, que as tinha em seu poder. Desde sempre, estes homens endurecidos tinham sentimentos arraigados de individualidade e faziam-no sentir ao rei de Leão e Castela em terras galegas.
 
D. Afonso Henriques, no alto da torre de menagem, mirava preocupado o movimento bélico das tropas leonesas que se implantavam em redor do castelo. Não que tivesse receio da refrega, mas porque as suas condições de suportar o cerco por muito tempo eram cinzentas, como o céu que os cobria. Era tão forte como guerreiro, como hábil nas lides da política e fez jus a essa habilidade. Acercou-se dele, Egas Moniz, seu aio e educador desde criança, longamente conversaram e o que disseram entre eles ficou registado nas pedras graníticas que o tempo fez questão de silenciar.
 
O tempo passava e de surtidas em surtidas mantinha-se o cerco sem sinais de brandura.
 
Certa manhã, as portas do castelo abriram-se e Egas Moniz saiu em direcção à tenda real do soberano de Leão e Castela.
Levava-lhe a promessa, sob a sua palavra, que o infante D. Afonso Henriques lhe prestaria vassalagem como seu soberano e imperador de toda a Ibéria. Aceitou D. Afonso VII a palavra de Egas Moniz, homem mui respeitado e cuja palavra não era duvidosa. Apressou-se a levantar o cerco, que a leoneses e castelhanos também trazia angústias e desejos de saírem daquelas terras que os atormentavam e, intimamente, receavam.
 
Mais forte que a palavra dada, era o anseio independentista de Afonso Henriques e seus barões.
O tempo passava e a promessa ficou guardada no seu registo. Deu Afonso Henriques luta a galegos e vitorioso saiu em Cerneja, consolidando as armas do futuro reino de Portugal.
Não se conformou o velho Egas Moniz, cuja palavra empenhada lhe pesava no respeito. Despiu-se de suas vestes senhoriais e envergou o hábito dos condenados, baraço ao pescoço e descalço, ele e sua família, dirigiram-se a Toledo, capital do reino de Leão e Castela.
 
Recebeu-o Afonso VII no Paço real, semblante carregado e pouco satisfeito com o desenrolar da situação, sentia-se constrangido com o quadro que se lhe deparava e com a mais que provável independência do condado.
 
- Vossa majestade, venho resgatar a palavra e a honra que empenhei aquando do cerco a Guimarães, para isso conto com vossa benevolência e deposito em vossas mãos a minha vida e a de meus filhos e esposa, quão queridos eles me são. Mais do que a vida, me vale a honra.
 
Afonso encolheu-se ainda mais no trono forrado com manto de veludo, diante da nobreza daquele homem de barbas brancas, envelhecido e de cabeça baixa em sinal de respeito.
Ponderou, quem deveria ser castigado era o seu primo Afonso Henriques, que ainda teve a ousadia de lhe dar luta em Cerneja e derrotá-lo, mas a este não era fácil de chegar, era duro o homem. Sensibilizado com a atitude nobre do ancião, libertou-o de seu penhor e permitiu-lhe o regresso ao condado, terra de seus antepassados e de quem se considerava dilecto filho.
 
- Ide bom homem. Tomara a muitos fidalgos que me rodeiam terem a dignidade de vosso gesto, certamente me sentiria mais seguro e apoiado. Contra a corrente do destino não posso lutar, para nada me servem os exércitos. Quem sente o chamado da terra, merece tê-la, a ela pertence.
 
Nuvens passaram sobre Guimarães e sobre Toledo, castelos caíram e castelos se ergueram, os segredos da história ficaram guardados na rude pedra granítica e só o vento a compartilha.
Romântica lenda que perdura nas tradições e lendas de Portugal!
 
Alma Lusa