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Aquáriusul

Sou daqui deste povo que cheira a mar e sabe a fado

Aquáriusul

Sou daqui deste povo que cheira a mar e sabe a fado

Sab | 25.08.12

A Ilha

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Tão brandamente os ventos os levavam

Como quem o Céu tinha por amigo;

Sereno o ar e os tempos se mostravam,

Sem nuvens, sem receio de perigo.

Camões

No horizonte o céu fundia-se com o mar numa simbiose de plenitude, só separados pelos tons de azul. Navegavam há três dias e as horas, Éolo e a sua comitiva tinham-se retirado, passavam devagar numa calmaria constrangedora. Um vulto branco, à proa do navio, mirava o horizonte, olhar fixo, o seu pensamento vogava para a ilha que já não distava muita distância. As casas brancas sobressaíam do verde da vegetação luxuriante, o ancoradouro estava protegido por uma muralha de pedras, que só Titãs poderiam ter construído, tal o tamanho e peso. Na costa oriental as escarpas eram altas e a pique, um Templo erguia-se nesta continuidade inserido numa gruta, uma alta torre branca completava um conjunto de casas amplas formando um complexo habitacional e de devoção, perfeitamente inserido na arquitetura da paisagem. Virou-se devagar para os nautas e disse-lhes:

- Zéfiro regressa, aprontai os vossos afazeres que uma brisa vai soprar daqui a pouco.

A calma foi substituída por uma azáfama de cabos e velas, ordens e gritos de instruções, semblantes animados e prontos para a continuidade da viagem, que até ali tinha recebido o favor dos deuses. As velas enfunaram e o ranger do cordame e da madeira deu início ao balançar característico do movimento do navio a avançar, cortando a água que se tornava ondulante. Entardecia quando o navio aportou no ancoradouro, cuja baía estava plena de vida. A comitiva que esperava o grupo era constituída por vários homens e mulheres, todos vestidos de branco, embora em silêncio, os seus rostos mostravam a alegria do momento e a espontaneidade do bem-estar; eram os sacerdotes do Templo, que no alto da Ilha marcava a diferença na paisagem. A luz difusa do entardecer era cortada por archotes cujas chamas trémulas lambiam o ar morno, transmitindo um aspeto etéreo ao ambiente. Do grupo adiantou-se um homem jovem, cujos olhos cintilavam com a luz de tempos idos:

- Bem-vindo a casa, é com alegria que te recebemos de volta, nobre sacerdote. Sentimos a tua falta e de teus preciosos ensinamentos, estamos ansiosos para ouvir de tuas viagens.

O ancião, visivelmente feliz, adiantou-se e de mãos estendidas segurou as mãos do seu interlocutor, pupilo desde a infância:

- Estou grato por tuas palavras, certamente contarei de minhas viagens, agora é hora de recolher. Estou muito feliz por estar de volta ao vosso meio que para mim é fonte de alegria e de bem-estar.

Com visível satisfação e como se de crianças se tratassem, o grupo seguiu o ancião no caminho de volta, que por entre veredas e árvores anciãs emolduravam a escada de pedra com degraus lisos e rebordo arredondado, fruto do uso milenar. Os barulhos noturnos começavam a substituir o canto alegre das aves que em profusão esvoaçavam no céu azul, num bailado coreografado pelos filhos de Zéfiro. Nas tocas aninhavam-se os animais diurnos para descanso e segurança, porque a noite perigos inesperados escondia. A natureza seguia o seu curso que desde milénios fora estabelecido, no princípio dos tempos. Seguia o caminho para o alto da Ilha, em direcção ao Templo, onde a luz dos archotes o iluminava, circundando o complexo num halo de luz visível muito longe no mar e conduzindo almas em perigo para um porto de abrigo seguro. A noite cobriu a Ilha Branca de manto escuro. O silêncio, aqui e acolá, era cortado pelo pio noturno da coruja, sempre atenta ao mais pequeno movimento no solo, quando os pequenos roedores corriam em procura de alimento no restolho.

No seu quarto, virado ao mar, o sumo-sacerdote usufruía da paisagem noturna e ouvia o barulho cadenciado das ondas a desfazerem-se em novelos de espuma branca contra as rochas da falésia, ao longe, pequenas luzes, denunciavam a presença de veleiros em suas viagens de comércio. O sumo-sacerdote pensava nos acontecimentos dos últimos dias em relação à Palavra Sagrada e o desvio sub-reptício que os ensinamentos estavam a tomar.

Sombras de preocupação toldavam-lhe o espírito. As várias interpretações obsessivas de alguns crentes estavam a tomar caminhos sinuosos de onde seria difícil voltar sem sofrimento. Estas atitudes levaram muitos a afastarem-se da Palavra, confusos e amedrontados, e a procurarem apoio onde fossem bem recebidos e satisfeitas as suas necessidades. A intolerância e o oportunismo lentamente encharcavam as almas dos devotos.

As mãos postas em devoção, olhar cerrado, espírito aberto, o sumo-sacerdote louvou o Altíssimo:

- Senhor, Teu servo eu sou, conduz o meu espírito em Tua Luz, no cumprimento de Tua Vontade, para que o caminho que eu trilhe me conduza à Pátria, aos Jardins Eternos!

Em repouso adormeceu o corpo, mas o espírito procurou os Centros de iluminação e Conhecimento.

Alma Lusa

Sab | 18.08.12

A Palavra

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Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa, e que não haja entre vós dissensões; antes, sejais unidos, num mesmo sentido, e num mesmo parecer.

Primeira epístola de Paulo aos Coríntios – 1;10

 

Caía mansamente a neblina sob o sol da manhã, refrescando cada folha, cada flor; gotas de orvalho contendo o mundo, humedeciam o solo pleno de vida e vigor latente. Aos poucos os ruídos noturnos emudeciam e os seus habitantes retiravam-se para o calor e segurança de suas tocas. As aves chilreavam numa algazarra sinfónica conduzidas pela batuta de maestro anónimo. No chão o restolho era revolvido e o vento espalhava-o num manto de cor e forma. Ao longe, na planície, os animais movimentavam-se em manadas seguras, procurando a melhor erva verde e tenra que pela manhã estava fresca. Por entre colinas e montes vestidas de verde, os filhos de Zéfiro brincavam numa correria ondulante, fazendo estremecer as fadinhas das flores que olhavam para eles com ar reprovador. Sorriam os elfos que a tudo observavam com olhar brilhante. Cintilava de vida e movimento a natureza.

Ao redor de uma fogueira, um grupo de homens, arrumava os seus pertences para se porem ao caminho em mais um dia de jornada. Lentamente reuniram-se para a oração de graças da manhã. O seu olhar era límpido e os seus pensamentos em reverência adoraram o Senhor dos Mundos.

Senhor, a Ti pertenço,

Que a minha vida seja uma prece de gratidão constante a Ti,

Aceita pela Tua bondade o meu agradecimento

E dá-me por este dia o auxílio de Tua força.

Ámen

Serenidade envolvia o grupo. Dirigiam-se para a costa e até já podiam ouvir o bramir do oceano à distância. O seu destino era a ilha Branca e esperavam receber de Neptuno o seu favor e escolta de ondinas para a travessia. Um grupo de centauros acompanhava-os a distância curta, como que a montar guarda, precioso era o grupo de homens vestidos de branco e de olhar secular. Iam prestar auxílio a uma comunidade que se encontrava em dissensão por causa do modo como a Palavra Sagrada haveria de ser transmitida, e esta postura estava a dividi-los e a criar sombras escuras que os atormentava e alimentava ainda mais a divisão. O querer saber melhor e a falta de clareza espiritual estava a ofuscá-los. Após, tomariam a jornada marítima para o seu destino, a ilha Branca. A chegada ao pequeno burgo foi saudada efusivamente; depois de um curto descanso dirigiram-se para a sala das devoções. Reunida a assembleia e após curta oração de pedido de auxílio, o ancião do grupo falou:

- Caríssimos, a Palavra do Senhor segue por muitos caminhos, porque muitos são os caminhos do homem. É dever que adoremos o Altíssimo sem quaisquer dogmas ou pretensas sabedorias e interpretações, se o fizerdes de espírito aberto, certamente a Sua força vos trará auxílio, a Sua luz iluminará o caminho e o Seu Amor será bálsamo espiritual. Nem todos os homens estão preparados, pela sua formação, a receber a Palavra da mesma forma, então divulguem-na conforme o grau de evolução do ouvinte. Façam-no como servos do Senhor, simples e devotos e não como aqueles que repetem o que aprenderam com o cérebro e não ouvem a voz interior, a voz do espírito. Sede tolerantes, mas firmes na defesa da Palavra, lembrai-vos que a Verdade só a Deus pertence. Tudo o que o ser humano conhece e divulga está sujeito ao espaço e ao tempo, à mutação dos conceitos, e à evolução do conhecimento que ele domina no momento e que moldam esses mesmos conceitos. O nosso saber é imperfeito e só nas nossas peregrinações através da Vida ele se aperfeiçoará, por isso, tolerância e humildade são aliados da firmeza. Venerai o Altíssimo, porque a Palavra é una com Ele; no princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Procurem a Verdade em espírito e o vosso intelecto compreenderá.

Dividir a Palavra é enfraquece-la, não o façam… não o façam!

Em silêncio o ancião dirigiu-se para o seu assento e, visivelmente abatido, recostou-se. Na sala nem um movimento se fazia sentir, os semblantes denotavam o efeito das palavras. No ar as formas de pensamento eram confusas, crispadas, mas também de aceitação… e tudo isto o ancião sentia. A assembleia foi fechada pelo sacerdote da comunidade que com voz pesarosa disse:

- Cometemos o pecado da estultícia, não estivemos alerta e pretendemos saber melhor que o nosso próximo, com isso, olhamos para nós e esquecemo-nos de pedir auxílio aos guias, fomos vaidosos ao querer dominar o saber que o nosso intelecto nos proporcionava e surdos aos avisos da nossa voz interior, com boa intenção é verdade, mas com orgulho e intolerância atuamos, agora vede o resultado, divisão, antagonismos …

Após a oração de agradecimento, o grupo dirigiu-se para o porto onde um barco de velas vermelhas os esperava, o vento soprava de feição prometendo uma viagem calma. Lentamente se afastou do porto seguro a embarcação, desfraldando as velas ao sopro de Éolo; o ancião na ponte olhava para as pessoas que no cais acenavam em despedida e a tristeza tomou conta do seu espírito. Quantos daqueles se iriam perder na voragem da intolerância e mesmo na melhor boa vontade para difundir a Palavra, fá-lo-iam deteriorando o Amor e alimentando a arrogância.

O seu olhar ergueu-se aos céus sem nuvens e um rosto feminino sorriu animando-lhe o espírito, Gaia, a Senhora da Terra, assim o alentava. Pouco a pouco a nave se fundiu no horizonte…

Alma Lusa

Sab | 11.08.12

Eram verdes os campos...

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No místico mar da sabedoria ergue-se a terra prometida em fragrâncias de luz e rios cristalinos de água viva. Longos são os ramos de frondosas árvores anciãs que através dos tempos muito viram e muito sabem. Longos são os raios de luz que iluminam almas peregrinas de branco vestidas, olhos incandescentes de sabedoria vetusta, transbordando de harmonia e equilíbrio. Altas montanhas ao longe deixam passar os sussurros do vento que ondulando em espirais lançam a brancura da neve eterna para o infinito azul num quadro de magia e pureza. O verde dos campos orla rios de água viva correndo para o manancial da vida, alimentando esses seres que de olhar alegre e agradecido contemplam, lá no alto, essa cruz de vida em raios de luz branca derramando bênçãos, alimentando e renovando a vida. Sons alegres e musicais em harmonia elevam-se para o alto em agradecimento.

Louvado seja o Senhor, Criador de todas as coisas...

Eram verdes os campos que ladeavam o caminho empoeirado à hora do meio-dia. Dois homens caminhavam em passo certo, rosto sereno e olhar sagaz de tempos imemoriais.

- Este caminho de terra dura e poeira macia é como o ensinamento do Alto, por baixo uma capa dura e simples para que quem procura, adquira a experiência do ensinamento e a viva, por cima a maciez da capa protectora de quem ensina para que ninguém, que se esforce, se desvie para caminhos cómodos que levam à estagnação.

O silêncio do campo só era cortado pelo movimento dos ventos que em dança simples se esgueiravam por entre as folhas das árvores e pelo trinar das aves que com movimentos rápidos tentavam acompanhar os entes do vento com cantos redobrados. Os olhos claros dos viajantes fulguravam de alegria ao contemplar o espectáculo que a natureza lhes ofertava.

- Como é possível que diante de tal obra, plena de beleza e equilíbrio, a humanidade escolha o caminho cómodo da estagnação e não aceite o que lhe é ofertado com tanta singeleza. De semblante baixo, a tristeza por um momento dominou o segundo viajante que retorquiu: - Infelizmente, o homem prefere aceitar sem analisar o que lhe é ofertado e colocar-se numa situação de dependência espiritual e comodidade, atirando para terceiros a responsabilidade do que aceita. Engano fatal para tal homem, ele é responsável por tudo o que aceita, certo ou errado; as leis que regem os universos aplicam-se, inexoravelmente, e em tempo certo colhem o seu tributo.

Só por um momento a tristeza dominou os viajantes, logo a alegria e a luz que os rodeava prevaleceu sobre tais almas plenas de amor e felicidade pela obra do Altíssimo. Eram verdes os campos que ladeavam o caminho empoeirado à hora do meio-dia. Os entes dos ventos deslizavam velozes no arvoredo rodeando as fadinhas que assomavam por entre o colorido de flores silvestres esvoaçando com suas asas cristalinas e semblante singelo, tranquilos e de olhar vivo, gnomos e elfos, contemplavam com carinho os viajantes que placidamente se tinham recostado debaixo dos ramos frondosos de uma árvore anciã. Em frente, não muito longe, também um grupo de animais ditos ferozes, descansavam do calor do meio-dia, contemplando os homens que perto deles os miravam também. Harmonia e confiança deslocavam-se no etéreo! E a natureza seguia o seu curso indiferente às filosofias dos homens, mas atenta às suas ações.

Eram verdes os campos… luminoso o ambiente!

Alma Lusa